Discurso de Marisa Lourenço na entrega do Prémio Teresa Rosmaninho

Maio 20, 2014 in Press

Não é tarefa fácil esta de falar sobre a Célia, não por que seja difícil falar dela mas porque ficará sempre qualquer coisa por dizer.

A Célia nasceu na Marinha Grande no dia 1 de Março de 1973. Do pai Fernando Antunes herdou, entre outras coisas, a capacidade de lutar por uma causa. Da mãe Maria Irene herdou o sonho, a fantasia e muito provavelmente o sorriso caloroso. Com os irmãos Pedro e Susana aprendeu o desafio de estar com os outros… compreender as raparigas, compreender os rapazes. Isto de ser a irmã do meio tem que se lhe diga e dá vontade de olhar para um lado e para outro e ver bem quem está lá.

Com a família aprendeu também a soletrar a palavra cancro, com todas as suas consoantes de medo e vogais de sofrimento. Aprendeu também a enfrentar este “bicho mau” mesmo com uma das pessoas que mais amava que era a sua mãe, o seu grande espelho.
As brincadeiras e os amigos de infância foram muitas e inspiradoras. Sei que sabe o que é a verdadeira amizade mas que está também sempre a aprender, porque como diz “A vida é como uma escola”.

Em tempo de intensa transformação pessoal como é a Adolescência nem sempre é fácil mudar de terra, de escola, de amigos… mas foi precisamente na adolescência que a Célia veio com a família para Caldas da Rainha. Nessa altura, escolheu também o seu percurso de estudos no ensino secundário na área de Contabilidade e Gestão. Já se antevia esta vocação de gerir mas mal se sabia que era uma gestão especial – uma gestão humana para desenvolver o outro, para criar sinergias de alegria e de cura.

Aqui nas Caldas, fez logo imensos amigos, surpreendentemente conhecia todos mesmo sendo nova na cidade. Sempre se deu com grupos diferentes, conhecia todos e todos gostavam dela e a aceitavam.
Depois de concluir os estudo na Esc. Sec. Bordalo Pinheiro, acabou por ir para a Universidade Autónoma de Lisboa onde, como trabalhadora estudante e sempre com grande força de vontade e empenho, concluiu a licenciatura em gestão.

A sua capacidade de se entregar ao trabalho é grande e esteve presente desde o início da sua experiencia profissional. A Célia começou a trabalhar muito cedo em várias atividades incluindo como técnica de contabilidade e outras que a ajudaram a suportar as despesas da frequência de um curso superior.
Da experiencia de trabalho como adulta destaca frequentemente a Soprofor. Aí entregou-se totalmente e desenvolveu alguns projetos dos quais ainda hoje fala com muito orgulho por exemplo o projeto feminis. Aí fez também muitas amizades que duram até hoje.

Durante este período de intensa entrega ao trabalho na Soprofor passou também pela experiencia pessoal de enfrentar uma doença brutal, aterradora e debilitante que já conhecia de muito perto pois acompanhava a sua mãe. Mas desta vez, deparou-se com os seus próprios limites…

O que se faz aos 30 anos? Aos trinta anos não se tem cancro ou tem? Não, aos trinta anos descobre-se um grande amor. A Célia descobriu que se pode viver o amor mesmo com cancro. Esse amor, com os seus ensinamentos, ajudou a cura e fez nascer a “Célia da Poesia” assim denominada pela equipa de oncologia das Caldas. Quem é que se lembraria de ler poemas ao mesmo tempo que faz quimioterapia…

Então a poesia e o amor podem ajudar a curar o cancro…

O Olha-Te é um projeto de vida que foi sendo concebido e delineado a partir do próprio processo pessoal de recuperação da Célia após ter cancro. Da teoria e da experiencia pessoal até à prática concretizada num projeto de apoio a doentes oncológicos e familiares, como o Olha-Te, a Célia levou quase 10 anos.
Mas o momento chegou e o Olha-Te nasceu em 1 de Outubro de 2010 quando foi acolhido pela Associação Recreio Club com apoio do pai da Célia e o Dr. Mesquita de Oliveira o presidente e o Dr. José Carlos Nogueira. E como diz a Célia o “espaço é o primeiro passo”. Esta premissa juntamente com outras como o “aqui está tudo bem” e algumas outras premissas constituem a base do Olha-Te.
Não vou referir toda a magia que se cria no Olha-Te, provavelmente se estão aqui é porque já a conhecem ou ouviram falar dela.
Curiosamente poucos meses depois do Olha-Te nascer, nasceu-lhe um “Bicho Mau” por baixo. Passo a explicar, pouco depois do Olha-te nascer abriu no andar de baixo edifício um bar chamado Bicho Mau. Depois da Célia conversar com os responsáveis do Bicho Mau, o Olha-Te ganhou internet gratuita. O Bicho Mau também pode ser um amigo. Este é um exemplo muito simples de como a magia acontece…

Na comunidade a Célia, levando sempre o Olha-Te, continua a abranger transversalmente pessoas de vários grupos, várias idades, várias crenças, diferentes valores. Muitas dessas pessoas tornam-se muito próximas e, do nada, podem surgir as amizades mais profundas, como se a Célia conseguisse descongelar qualquer distância. Muito do crescimento do projeto Olha-Te deve-se a esta sua capacidade de comunicar, de estar com o outro e olhá-lo no seu melhor, sabendo reconhecer e sua vocação e de respeitar as dádivas que cada um traz para dar ao mundo.
Só assim se pode colaborar e deixar o outro cumprir a sua vocação partilhando o sonho. E isto acontece no Olha-Te através da Célia já há quase quatro anos e repete-se todos os dias.

Tudo isto é a Célia e muito mais… a Célia é sobretudo a impressão indelével que deixa nos outros… por isso esta apresentação nunca ficará completa sem mostrar um pouco desse impacto. Para isso pedi ajuda ao Pedro Antunes o irmão mais novo da Célia e de muitos outros amigos…

Por Marisa Lourenço em 18 de Maio de 2014